terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

CARNAVAL: De culto pagão à festa popular

Carnaval é uma grandiosa cosmovisão 
universalmente popular de
milênios passados... 
é o mundo às avessas" Bakhtin, 1970

O carnaval realizado no Brasil é a maior festa 

popular do mundo. 
Grande parte dos foliões 
brasileiros, no entanto, 
não conhecem as origens 
e as implicações
dessa festa. Pensa-se que o carnaval
é uma brincadeira típica do Brasil, 
mas várias cidades do mundo como 
Nice (França), Veneza (Itália), 
Nova Orleans (EUA), dentre outras, também 
a celebram anualmente.

O carnaval, para surpresa de muitos, 

é um fenômeno social anterior 
à era cristã. 
Assim como atualmente ela é uma tradição 
em vários países, na antiguidade, 
o carnaval também foi praticado por várias
civilizações. No Egito,na Grécia e em Roma, 
pessoas de diversas classes sociais 
se reuniam em praça pública com máscaras 
e enfeites para desfilarem, beberem vinho, 
dançarem, cantarem e se entregarem 
as mais diversas libertinagens. 


A diferença entre o carnaval da 

antiguidade para o de hoje é que, 
no primeiro, as pessoas participavam 
das festas mais conscientes de que 
estavam adorando aos deuses. 

O carnaval era uma prática religiosa
ligada à fertilidade do solo. 
Era uma espécie de culto agrário 
em que os foliões comemoravam 
a boa colheita, o retorno 
da primavera 
e a benevolência dos deuses. 
No Egito, 
os rituais eram oferecidos 
ao deus Osíris, 
por ocasião do recuo das águas 
do rio Nilo. 

Na Grécia, Dionísio, deus do vinho 
e da loucura, era o centro de todas 
as homenagens, ao lado de Momo, 
deus da zombaria. 
Em Roma, várias 
entidades mitológicas eram 
adoradas, desde Júpiter, 
deus da Orgia, até Saturno e Baco.

Na Roma antiga, o mais belo soldado 

era designado para representar 
o deus Momo no carnaval, ocasião 
em que era coroado rei. 
Durante os três dias da festividade,
o soldado era tratado 
como a mais alta autoridade local, 
sendo o anfitrião de toda a orgia. 
Encerrada as comemorações, 
o "Rei Momo" era sacrificado 
no altar de Saturno. 

Posteriormente, passou-se a escolher 
o homem mais obeso da cidade, 
para servir de símbolo da fartura, 
do excesso e da extravagância.

Com a supremacia do cristianismo 

a partir do século IV de nossa era, 
várias tradições pagãs 
foram combatidas. 
No entanto, a adesão em massa de 
não-convertidos ao cristianismo, 
dificultou a repressão completa. 
A Igreja foi forçada a consentir com 
a prática de certos costumes 
pagãos, muitos dos 
quais, cristianizados 
para evitar maiores transtornos. 

O carnaval acabou sendo permitido, 
o que serviu como "válvula de escape" 
diante das exigências impostas aos 
medievos no período da Quaresma.

Na Quaresma, todos os cristãos eram 

convocados a penitências e à abstinência 
de carne por 40 dias, da quarta-feira 
de cinza até as vésperas da páscoa. 
Para compensar esse período de suplício, 
a Igreja fez "vistas grossas" às três noites de carnaval. 
Na ocasião, os medievos 
aproveitavampara se 
esbaldar em comidas, 
festas, bebidas e prostituições, 
como na antiguidade.

Na Idade Média, o carnaval passou 

a ser chamado de "Festa dos Loucos", 
pois o folião perdia completamente 
sua identidade cristã e se apegava
aos costumes pagãos. 

Na "Festa dos Loucos", tudo passava 
a ser permitido, todos os 
constrangimentos sociais e religiosos
eram abolidos. 

Disfarçados com fantasias 
que preservavam o anonimato, 
os "cristãos não-convertidos" 
se entregavam a várias licenciosidades, 
que eram, geralmente, associadas 
à veneração aos deuses pagãos.

O carnaval na Idade Média foi objeto

de estudo de um dos maiores pensadores 
do século XX, o marxista russo Bakhtin. 
Em seu livro Cultura Popular na 
Idade Média e no Renascimento, 
Bakhtin observa que no 
carnaval medieval – "o mundo parecia ficar de cabeça para baixo".
Vivia-se uma vida ao contrário. 
Era um período em que a vida das 
pessoas tornava-se visivelmente ambígua, pois a vida oficial - religiosa, cristã, casta, disciplinada, 
reservada, etc. – amalgamava-se com 
a vida não-oficial – a pagã e carnal. 

O sagrado que regulamentava a vida 
das pessoas era profanado e as 
pessoas passavam a ver o mundo 
numa perspectiva carnavalesca, 
ou seja, liberada dos medos e
da ética cristã. 


Com a chegada da Idade Moderna, 
a "Festa dos Loucos" se espalhou pelo
mundo afora, chegando ao Brasil,
ao que tudo indica, no início do século XVII.

Trazido pelos portugueses, o ENTRUDO – 
nome dado ao carnaval no Brasil – 
se transformaria na maior 
manifestação popular do mundo e, 
por tabela, numa das maiores 
adorações aos deuses pagãos do planeta. 
Quem dera todos os foliões 
brasileiros soubessem disso!

Egina Carli de Araújo Rodrigues Carneiro 
é professora de história, pós-graduanda 
em História da Amazônia pela UFAC.

Eduardo de Araújo Carneiro 

é licenciado em História, 
concludente do curso de Economia 
e acadêmico do Mestrado em Letras 
pela UFAC e edita o blog História do Acre

Nenhum comentário:

Postar um comentário